No mês seguinte à Rio+20, a notícia mais importante para o futuro da sustentabilidade no Brasil pode ocorrer bem longe do Riocentro, onde será realizada a conferência da ONU. Está previsto para julho o resultado de uma audiência pública da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em Brasília, que acenderá uma cadeia de investimentos destinada a fazer do país o terceiro maior mercado mundial de redes de energia inteligentes, chamadas de smart grid, no intervalo de uma década, atingindo US$ 36,6 bilhões em 2022.
Especialistas, governo e concessionárias são unânimes ao anunciar a tecnologia como uma revolução na relação entre clientes e distribuidoras que tornará o consumo mais eficiente, extinguirá o “gato” e estimulará a geração domiciliar de energia limpa. A solução pode tornar o horário de verão obsoleto.
Smart grid é o conjunto de tecnologias que acrescenta uma camada de dados digitais à rede elétrica tradicional. Ele já é o padrão das redes de alta tensão, mas tenta agora chegar às casas dos brasileiros. Com um aparato de sensores, automação e medidores inteligentes, o smart grid permite que a distribuidora saiba, em tempo real e remotamente, a quantidade exata e a qualidade da energia que está sendo consumida em cada domicílio.
Depois dos medidores inteligentes de consumo — tema da audiência da Aneel —, qualquer consumidor saberá o quanto de energia está gastando a qualquer momento e o valor pago por ela. Estudos mostram que o maior estímulo à economia de luz é fazer com que os consumidores saibam quanto estão gastando. É por isso que o smart grid foi capaz de diminuir o consumo em até 20% onde foi implementado.
Além de poupar custos às concessionárias, o smart grid promete colocar o “gato” em extinção. As alterações que o furto de energia introduzem no circuito elétrico serão percebidas imediatamente pela nova tecnologia, que aponta inclusive o local do roubo. Selar esse ralo representa uma economia superior a R$ 3 bilhões por ano para o setor, que perde anualmente R$ 8,1 bilhões se forem contabilizados os impostos que deixam de ser cobrados e as perdas naturais de distribuição.
— O valor é absurdo! Toda semana, o setor elétrico brasileiro sofre um assalto igual àquele ao Banco Central de Fortaleza, em 2005 — compara André Pepitone, diretor da Aneel.
Cronograma para substituir os 67 milhões de medidores:
Não à toa que há tanta expectativa pela norma da agência reguladora. O objetivo da audiência pública 43/2010 é determinar as funcionalidades mínimas que os medidores inteligentes devem ter e abrir caminho para a criação de um plano nacional para a substituição de todos os 67 milhões de medidores analógicos e eletrônicos que existem no país. A norma da Aneel deveria ter saído em 2011, mas as discussões avançaram sobre o prazo por causa do custo do medidor.
— Não queremos que as características mínimas exigidas tornem o equipamento caro o bastante para elevar o preço da energia — justificou Pepitone.
Ms há analistas que preveem um encarecimento no serviço.
— Acredito que a energia ficará mais cara. Há uma grande discussão sobre quem pagará a conta dos investimentos, e as concessionárias fazem lobby para não sair perdendo — avaliou Cesare Quinteiro, pesquisador da Certi, fundação privada ligada à Universidade Federal de Santa Catarina. — Um medidor custa entre US$ 100 e US$ 300, dependendo de suas especificações.
As concessionárias discordam. A Light argumenta que, por causa do fim do “gato”, a fatura pode ficar até 17% menor. A Ampla estima algo entre 6% e 15%.
Um projeto de lei apresentado em meados de abril pelo senador Blairo Maggi (PR-MT) quer impôr a implementação plena do smart grid no Brasil em até oito anos, mas o texto ainda não foi votado. Segundo Ildo Grüdtner, secretário de Energia Elétrica do Ministério de Minas e Energia, o governo realiza neste momento um amplo estudo para determinar um prazo e outras metas.
Especialistas estimam que, em uma década, o país terá um smart grid maduro. Segundo estudo da consultoria americana Northeast, o mercado brasileiro de redes inteligentes será de US$ 36,6 bilhões em 2022, o terceiro maior do mundo. Quase metade disso, estará investido em medidores inteligentes (US$ 17,8 bilhões), que devem somar 74,1 milhões de aparelhos naquele ano.
Empresas investem, antes mesmo da regulamentação:
O investimento previsto é tão grande que fabricantes estrangeiros de medidores instalados aqui (Landis+Gyr e Elster, por exemplo) já expandem sua capacidade em antecipação à demanda, enquanto outros negociam a abertura de plantas no país (como a ATC, de Hong Kong).
— Daqui a dez anos, apenas Estados Unidos, China e a Europa como um todo estarão na frente do Brasil. Mas na Europa, nenhum país terá um mercado maior que o brasileiro. A Índia é um mercado enorme e tem grande potencial, mas não vai se desenvolver tão rapidamente quanto o Brasil — disse ao GLOBO o presidente da Northeast, Ben Gardner, que vê a regulamentação da Aneel como a única peça faltando para se instalar os medidores em larga escala. Ele lembrou que, na Europa, o smart grid tem 80% de penetração. — O governo dos EUA investiu US$ 4 bilhões em estímulo ao smart grid no pacote de recuperação econômica.
Uma vez implementado, o smart grid deve reduzir em 5% o consumo residencial no horário de pico, entre 18h e 21h, previu Pepitone, da Aneel. A economia equivale, segundo ele, ao consumo de uma cidade com 10 milhões de habitantes (São Paulo tem pouco mais de 12 milhões) ou de metade da geração prevista para a usina de Santo Antônio.
As concessionárias não esperaram a regulamentação para fazer incursões na solução. Quase todas as grandes distribuidoras já têm projetos-piloto — em cidades como Rio, Aparecida (SP) e Parintins (AM) — e a Northeast calculou que mais de um milhão de medidores inteligentes já funcionam no país.
A Ampla já investiu R$ 3 milhões dos R$ 38 milhões previstos no seu projeto de fazer de Búzios, na Região dos Lagos, uma cidade inteligente. E o smart grid tem papel central no programa. Duzentos medidores inteligentes já foram instalados no município, e a Ampla espera ampliar esse número para até 10 mil. Lá, a tecnologia é aplicada à iluminação pública, tornando-a capaz de variar sua intensidade de acordo com a presença de pessoas e de carros. Cem domicílios de Niterói testam medidores inteligentes. Já a Light tem planos de instalar mil medidores inteligentes em bairros das do Rio e da Baixada. A empresa vai investir R$ 35 milhões até 2013 no projeto.
— O smart grid vai, além de tudo, mudar a relação entre cliente e concessionária. O consumidor deixará de telefonar apenas para comunicar problema para também sugerir metas de consumo, por exemplo — disse Fábio Toledo, superintendente da Light.
Marcos Martim, consultor da IBM Brasil para smart grid, cita pesquisa da empresa em 15 países que mostrou que 60% dos 10 mil entrevistados desconheciam o conceito. No Brasil, foram 67%. Mas 76% dos brasileiros gostariam de ter informações sobre o consumo de energia.
Fonte -Fonte: O Globo