O ano era 1976. No número 2.028 da Avenida Paulista, então a mais moderna da cidade, acabava de surgir um novo edifício. Seu nome, Paulista 2028, poderia sinalizar uma visão futurista, um ensaio de como poderia ser São Paulo dali a mais de meio século. Mas não foi isso. Hoje, o prédio quase quarentão continua em pé, mas ultrapassado. E agora passa por uma readequação que lhe garantirá, pelo menos, a cara dos dias atuais. A reforma do Paulista 2028 é um exemplo de retrofit sustentável, que o tornará mais eficiente e adequado às novas necessidades tecnológicas. Comparada ao dispendioso projeto original, a modernização será tão grande que os responsáveis candidataram o prédio para receber a certificação de reforma sustentável LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), da ONG Green Building Council (GBC).
Garantir o selo ecológico exige pensar no ambiente ainda na gestão da obra com redução de barulho e resíduos. “Existe uma cultura de que entulho tem de ir para a caçamba”, diz Luiz Henrique Ferreira, diretor da Inovatech Engenharia. “Nós conscientizamos os operários para o reaproveitamento das sobras.” Sua empresa foi responsável pelo retrofit sustentável da Leroy Merlin, em Interlagos, que recebeu no fim de 2011 uma outra certificação verde desenvolvida no Brasil, o Processo Aqua. Ele afirma que metade do entulho produzido e 70% dos restos da construção foram reaproveitados. Uma parte foi triturada, a madeira e as janelas foram reutilizadas e até os móveis velhos foram doados. “É mais barato fazer retrofit do que erguer um prédio novo”, diz Cláudio Bernardes, engenheiro e presidente do Sindicato da Habitação (Secovi). “Não faz sentido demolir tanta área construída.” No passado, quando os terrenos eram mais baratos, não compensava gastar tanto na reforma. “Hoje, com os preços elevados, vale investir na requalificação de grandes áreas construídas”, afirma.
A obra de retrofit do edifício Paulista 2028 deve ser finalizada em dois anos. Para diminuir o consumo de energia, estão programados elevadores inteligentes que agrupam os passageiros de acordo com seus destinos, grandes janelas de vidro de alta capacidade térmica para aproveitar a luz do sol e refletir o calor, infraestrutura para instalação de um sistema de ar-condicionado que liga e desliga quando necessário e projeto de iluminação mais econômico. Para reduzir o consumo de água, estão previstos vasos sanitários de duplo acionamento, um botão para sólidos e outro com menos água para os líquidos, e torneiras com desligamento automático. “O novo prédio deve gastar até 30% a menos de água”, diz Nelson Mazzeo, gerente de incorporação da Bncorp, responsável pela obra. Para completar, um telhado verde vai ajudar a reduzir a geração de calor.
Esse tipo de certificação pode valorizar o imóvel e a empresa que lá se instalar. Até o preço do metro quadrado de área útil para escritórios pode aumentar, já que fica mais produtivo com estrutura apropriada para receber redes de internet, telefone e energia elétrica e melhora a qualidade de vida dos funcionários. A obra de retrofit sustentável pode custar 10% a mais do que uma simples reforma. No entanto, o valor da operação do edifício finalizado faz valer a pena. “A empresa vai gastar cerca de 40% a menos de energia e metade da água de antes; compensa a diferença no valor do retrofit em até oito anos”, diz Ferreira sobre o prédio em Interlagos. Já o edifício da Avenida Paulista terá um custo de operação 30% menor do que o atual, de acordo com a Bncorp.
Os três pisos do prédio da universidade do McDonald’s, em Barueri, também passaram por uma reforma sustentável que garantiu o selo LEED. Entregue em 2011, o projeto alterou o sistema de ar-condicionado, que proporcionou uma redução de 16% nos gastos com energia elétrica. E tornou o sistema de distribuição de água mais eficiente, com redução de 30% na conta. Em São Paulo, o Paulista 2028 é a primeira reforma do tipo da Bncorp e o prédio da Leroy Merlin também é a primeira experiência da Inovatech. “Já estudamos o retrofit de um edifício antigo da cidade com 150 sócios, isso é muito comum e dificulta o processo”, diz Luiz Henrique Ferreira, da Inovatech. As características da São Paulo mostram que o setor tem potencial para se desenvolver. “A região da Nova Luz poderia ser beneficiada pelo retrofit, com poucas demolições”, afirma.
O exemplo não é aleatório. A área central da cidade, que já estava no foco de incorporadoras e construtoras, agora passou também a ser disputada pelas consultorias em sustentabilidade. “O Centro tem infraestrutura de transporte e prédios prontos para serem reformados”, diz Newton Figueiredo, da consultoria Grupo Sustentax. Para Cláudio Bernardes, do Secovi, o bairro de Higienópolis é também um terreno fértil para o retrofit verde. “Os prédios, antigos e com um bom padrão, são caros e logo terão que passar por adaptações na estrutura”, afirma.
Nos Estados Unidos, os pedidos de certificação ambiental de reformas já ultrapassam os de edifícios novos, de acordo com Marcos Casado, gerente técnico da ONG GBC. “É um dos mercados que mais devem crescer no Brasil, temos grandes áreas construídas que precisam se tornar mais sustentáveis”, diz. “Evitamos a demolição sem necessidade e diminuímos os impactos ambientais na cidade.”
Fonte -Fonte: Revista Época