Uma pesquisa de mestrado apresentada à Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) confirmou as estimativas de órgãos governamentais sobre o consumo do chuveiro elétrico como formador do horário de pico do setor residencial, com impacto na curva de carga do sistema elétrico brasileiro.
As estimativas oficiais sobre a participação do consumo do chuveiro no setor residencial eram de 20% a 30%, e as simulações resultaram em cerca de 23%. “O consumo de energia elétrica pelo chuveiro ao longo do ano por toda a população corresponde a praticamente 30% da energia gerada por Itaipu no mesmo período”, revela o engenheiro eletricista Maurício de Castro Tomé, autor da investigação.
Segundo seu estudo, nas regiões Sul e Sudeste do país, esse aparelho chegou a responder por até 40% do consumo de energia elétrica residencial no horário de pico – entre as 18 e as 19 horas. A curva de carga é o consumo de energia elétrica agregado de todas as residências, de todas as indústrias e de todo o setor comercial. “Se pensarmos no consumo de energia de todas as residências, metade do consumo no horário de pico parte do chuveiro elétrico. Se houver algum tipo de esforço para melhorar esse quadro, com certeza haverá um grande ganho”, garante.
O pesquisador avaliou o chuveiro elétrico por ser ‘o maior vilão da conta de luz’. “E, como ele é utilizado em horários muito específicos, acaba gerando picos de consumo sobretudo quando as pessoas se levantam para ir à escola ou trabalhar, ou na hora em que retornam aos seus domicílios.” Pela manhã, o maior consumo de chuveiro concentra-se entre as 6 e as 8 horas.
Maurício expõe que sempre se preocupou com o chuveiro e que procurou um orientador que o pudesse auxiliar a desenvolver uma pesquisa sobre o assunto. Seu orientador foi o professor da Feec Luiz Carlos Pereira da Silva.
Inicialmente, fez um levantamento de dados que constatou que o chuveiro elétrico está presente em mais de 70% dos domicílios brasileiros. “Mas o detalhe é que boa parte dos 30% restantes não aquece a água de maneira alguma, principalmente nas regiões mais quentes. Descontando esses domicílios, a participação do chuveiro elétrico sobe para 92%”, afirma.
Além disso, dados do Ministério do Meio Ambiente e de diversos outros órgãos apontavam que o chuveiro elétrico era o eletrodoméstico responsável pela maior parte do consumo de energia de uma residência. Ele consome mais energia do que a geladeira, dependendo do tipo de residência e da classe de consumo, e é o aparelho de maior potência para uso doméstico. Trata-se de uma invenção brasileira utilizada quase exclusivamente pelo Brasil e por países da América Latina.
Um chuveiro tipicamente nas regiões Sudeste e Sul tem cerca de quatro mil watts de potência. Para se ter uma ideia, o forno de micro-ondas, por exemplo, apresenta potência de mil watts e uma geladeira cerca de 300 watts. Logo, o chuveiro é o responsável por uma parcela muito significativa desse consumo.
Em alguns países, não é usado o aquecimento instantâneo, e sim o aquecimento de acumulação, baseado em energia elétrica ou a gás. Já em outros, que têm um parque de termoelétricas, são disponibilizadas redes públicas de água aquecida por meio do calor residual do processo de geração termoelétrico. “Como existe esse resíduo de calor na geração térmica, ele é empregado para aquecer a água e disponibilizá-la à população. No caso brasileiro, cuja base de geração é hidroelétrica, não há a produção de calor residual, e o parque de termoelétricas é mais disperso. Além disso, não dispomos nem de rede de água encanada em alguns lugares. Que dirá de água quente?”, compara.
Picos:
O mestrando explica que o padrão de uso do chuveiro e sua alta potência contribuem para a formação do horário de pico do sistema. No horário de pico, os transformadores e as linhas de transmissão estão operando próximos do seu limite, ou até em sobrecarga. Essa sobrecarga, em casos extremos, pode causar interrupções na distribuição de energia elétrica.
O ideal, tanto para o sistema de geração quanto de transmissão de energia, seria que o consumo de energia fosse constante ao longo do dia, de modo que o perfil da curva de carga fosse plano. No entanto, na maior parte das residências, não é possível deslocar o consumo de energia elétrica para outros horários, pois a maior parte dos eletrodomésticos só está em operação quando os moradores estão em casa.
Para estudar o impacto do chuveiro elétrico nas redes de distribuição, é necessário saber qual é o padrão de uso do chuveiro ao longo do dia, bem como os demais eletrodomésticos presentes em uma residência. Os dados de consumo dos eletrodomésticos utilizados pelo aluno foram obtidos do Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), da Eletrobras.
O Procel periodicamente realiza pesquisas de posse e hábitos de consumo de eletrodomésticos, em parceria com as concessionárias de energia elétrica do país. Essas pesquisas consistem de entrevistas com consumidores residenciais, para levantamento do número de eletrodomésticos possuídos, e o padrão de utilização dos mesmos.
A partir disso, consegue-se traçar uma curva de consumo típica do consumidor separada por regiões e também do agregado nacional, que corresponde ao consumidor médio brasileiro. Como as informações foram separadas por eletrodoméstico e faixa horária, o pesquisador tinha a flexibilidade de analisar o impacto individual de cada aparelho a cada período. Como imaginava que o chuveiro seria o responsável pela maior parte do consumo, dedicou-se a ele.
Utilizando os dados da pesquisa e um modelo simplificado de uma rede de distribuição de energia elétrica, o autor do estudo efetuou simulações computacionais de fluxo de carga, que possibilitam a obtenção de informações sobre o consumo de energia elétrica, potência e perdas. Simulou o consumo com todos os eletrodomésticos e o consumo sem o uso do chuveiro ao longo do dia, comparando os resultados.
Abrangência:
Qual o consumo médio de energia no país? Como o Brasil é um país extenso e atravessa diversas latitudes, o padrão de consumo muda bastante, até por questões de renda. As regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste têm um padrão de consumo de energia elétrica médio maior que as regiões Norte e Nordeste. Desta maneira, dá para separar o Brasil em termos de uso de chuveiro elétrico por regiões: de um lado vêm Norte e Nordeste e de outro Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Nas regiões Norte e Nordeste, a participação do chuveiro é mínima. Na Norte é de 2% e na Nordeste bate a porta dos 10%. Sul, Sudeste e Centro-Oeste superam, cada qual, os 25%. “Então analisando estratégias para serem adotadas para o aquecimento de água, haveria uma resposta mais efetiva trabalhando só com as regiões mais ao Sul do país do que ao Norte, devido ao clima. Na maior parte do ano, não há necessidade de aquecimento de água para banho nas regiões Norte e Nordeste.”
O estudo de Maurício pretende mostrar o quanto de energia elétrica está sendo consumida para uma atividade de intensa importância, mas para a qual, felizmente, há outras alternativas, como por exemplo a adoção da energia solar. Acontece que ela não resolve todos os problemas. Vem uma semana nublada e não há o aquecimento de água almejado.
Nesse caso, o chuveiro elétrico pode ser utilizado para compensar a falta do aquecimento solar. A energia elétrica é, a seu ver, uma excelente forma de complementação para o aquecimento de água, e não deveria ser utilizado como fonte principal.
Um outro aspecto ainda a ser levado em conta é que o aquecimento solar, em longo prazo, é mais econômico que o aquecimento elétrico. Há um custo inicial de instalação, não há custos de consumo e a manutenção é bem espaçada. Mas o chuveiro acabou conquistando mercado em razão do preço atrativo (há modelos a partir de R$ 40,00).
Outra coisa: há lugares em que as moradias são muito verticalizadas, principalmente nas grandes cidades. Os prédios, em seu topo, não têm área suficiente para instalação de coletores solares para atender todos os apartamentos. “Mas é possível utilizar outras formas de aquecimento, como os aquecedores a gás”, menciona. Os grandes centros urbanos têm disponibilidade de gás. No município de São Paulo, no caso, desde 1987 é obrigatória a instalação de gás canalizado em todos os prédios.
Agora, tanto o aquecimento a gás quanto o aquecimento solar, se não estiverem previstos na obra, necessitam de alterações hidráulicas que podem encarecer a sua instalação. Um aquecedor solar custa pelo menos R$ 2 mil, sem contar a parte hidráulica. Logo, esse preço pode subir mais ainda.
Tarifa branca:
Hoje em dia, os consumidores pagam energia elétrica pela tarifa monômia, ou seja, paga-se o mesmo valor pela energia elétrica, independentemente da hora. Mas está em discussão a tarifa branca, que estabelece patamares nos quais o preço da energia elétrica nos horários de pico é mais alto e, fora do horário de pico, é mais baixo do que o atual.
Maurício explana que isso daria margem para fazer o deslocamento de carga e se aproveitar das tarifas mais baixas para tomar banho, lavar roupa e ter uma economia na conta de luz graças à mudança no seu hábito de consumo, sem necessariamente consumir menos energia.
Ocorre que a maioria das pessoas não consegue tomar banho muito mais cedo ou muito mais tarde e pode ser que essa medida não seja efetiva para reduzir o pico de demanda. Além disso, muitas vezes, é necessária uma mudança de hábitos brusca, que pode não ser conveniente ao usuário e nem trazer uma boa economia na conta de energia.
Este é um dos motivos pelos quais essa tarifa não deve ter ampla aceitação, realça ele, e portanto os impactos também não serão significativos.
O mestrando tomou ainda dados do Balanço Energético Nacional de 2011 e viu que “estamos gastando um terço da energia gerada pela maior usina em operação no mundo para esquentar água num país que tem insolação suficiente para aquecer a água através do sol na maior parte do ano”, observa.
O Brasil tem capacidade de empregar aquecimento de água a partir de outras fontes: seja a gás ou solar. “É preciso investir em algum plano de conscientização para o uso da energia elétrica de maneira mais racional, bem como incentivos econômicos para a adoção de outras formas de aquecimento de água”, reflete o autor do estudo.
Publicação
Dissertação: “Análise do impacto do chuveiro elétrico em redes de distribuição no contexto da tarifa horossazonal”
Autor: Maurício de Castro Tomé
Orientador: Luiz Carlos Pereira da Silva
Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec)
Com informações da Unicamp
Fonte -Fonte: CBN