No primeiro trimestre deste ano a massa salarial nas seis principais regiões metropolitanas cresceu 6,2% acima da inflação em relação ao mesmo período de 2011, impulsionada pela alta de 18,8% na construção civil, de 7,9% nos chamados outros serviços (alojamento, transportes, limpeza urbana e serviços pessoais) e de 7,2% no segmento que engloba da administração pública até educação, saúde e serviços sociais. São todos setores que não sofrem com a concorrência externa. Em 2011, a massa total cresceu 4,8%.
Os números mostram a solidez do mercado de trabalho, o que deve garantir um impulso à demanda nos próximos meses, ainda que o elevado nível de endividamento de muitas famílias seja um limite à capacidade de consumo. A massa salarial é a combinação da variação do emprego e da renda real.
Na construção, o reajuste de 14,1% do salário mínimo ajudou a impulsionar o rendimento real, que subiu 12,2% no primeiro trimestre, também influenciado pela escassez de mão de obra, diz o economista Rafael Bacciotti, da empresa Tendências Consultoria, autor do levantamento feito a pedido do Valor, com base na Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE.
Além disso, a construção vive um bom momento em várias frentes, como disse Lucia Garcia, responsável pela Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) feita pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). O efeito da renda em alta impulsiona, por exemplo os pequenos reparos, a ampliação de moradias já existentes e a autoconstrução, observa ela, que destaca o momento ainda razoavelmente positivo do mercado imobiliário e as grandes obras de infraestrutura. Nesse cenário, cresce também o emprego na construção. De janeiro a março, a ocupação aumentou 6% em relação ao mesmo período do ano passado. “Não faltam motivos para a expansão da massa salarial na construção”, resume Lucia.
Diretor-adjunto do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp, Anselmo Luis dos Santos também destaca a escassez da mão de obra como um fator importante para entender o que se passa na construção, citando também o impacto do programa Minha Casa, Minha Vida, o financiamento imobiliário e projetos como a construção de hidrelétricas e estádios. Para completar, 2012 é um ano eleitoral, o que costuma levar à antecipação de obras para o primeiro semestre do ano, como nota recente relatório da LCA Consultores.
Os chamados outros serviços se beneficiam do próprio momento favorável do emprego e da renda, segundo analistas. A força do mercado de trabalho sustenta o dinamismo desses segmentos, por manter elevada a demanda por serviços pessoais – como cabeleireiro e manicure – e permitir que as pessoas viajem mais, aumentando a demanda por hotéis. No grupo outros serviços, a alta real da massa salarial de 7,9% foi puxada pela expansão de 6,8% do rendimento real – a ocupação cresceu 1%.
No caso do segmento que engloba administração pública, defesa, seguridade social, educação, saúde e serviços sociais, é mais difícil identificar as causas do movimento, dizem Bacciotti e Lucia, dada a heterogeneidade do segmento. O governo federal tem sido rigoroso na política salarial para o funcionalismo, indicando que a maior pressão sobre os rendimentos não deve vir do setor público. Já os segmentos de educação e saúde, que passam por um aumento estrutural de demanda, podem explicar o movimento, acredita Lucia. De janeiro a março, o rendimento real nesse setor amplo cresceu 4,3% sobre igual período de 2011, e a ocupação avançou 2,8%.
Nos serviços domésticos, a massa salarial cresceu no primeiro trimestre 3,2% acima da inflação, apesar do forte aumento do rendimento real, de 7,3% fortemente influenciado pelo salário mínimo. O crescimento da massa é menor porque o número de ocupados no setor tem encolhido – caiu 3,8% no período. Segundo Bacciotti e Lucia, muitas domésticas têm migrado para outros empregos, com o mercado de trabalho aquecido.
Na indústria, a massa salarial também cresce abaixo da média de todos os setores, mas a um ritmo ainda razoável para um segmento que sofre com a competição do importado e enfrenta dificuldades para exportar. No primeiro trimestre, a massa no setor subiu 5% acima da inflação em relação a igual intervalo de 2011, um aumento que se deveu quase todo à alta do rendimento real, de 4,6%. A ocupação cresceu apenas 0,4%.
O economista José Marcio Camargo, da empresa Opus Gestão de Recursos, diz que a força do mercado de trabalho leva a indústria a conceder aumentos salariais expressivos, para não perder trabalhadores que podem migrar para outras empresas industriais ou até mesmo para outros setores. Além disso, muitas companhias do setor têm evitado demitir, na expectativa de que a situação da indústria melhore nos próximos meses, com o impacto da queda dos juros e as medidas de estímulo ao crédito.
Também professor da PUC-Rio, Camargo destaca o impulso para os salários na economia num quadro de desemprego baixo – em março, a taxa ficou em 6,2%. “Há uma oferta de trabalho que cresce relativamente pouco e uma demanda que avança a taxas fortes. Isso ocorre porque o crescimento tem se baseado muito no setor de serviços, quase três vezes mais intensivo em mão de obra do que a indústria”, diz Camargo. Cálculos da Opus indicam que, no prazo de um ano, o recuo de 1 ponto percentual da taxa de desemprego faz os salários nominais subirem 1,8 ponto. Lucia lembra que a inflação mais baixa no primeiro trimestre deste ano ajuda a explicar a força real dos rendimentos.
Segundo Santos, com o desemprego baixo, os sindicatos têm espaço para reivindicar aumentos salariais expressivos, num quadro em que há escassez de mão de obra em alguns segmentos específicos.
Para Camargo, o mercado de trabalho apertado é hoje sem dúvida um “fator positivo para o aumento de demanda na economia brasileira”. A questão é que há muitas famílias bastante endividadas, ao mesmo tempo em que os bancos têm sido mais cautelosos na concessão de crédito, por causa da inadimplência mais alta. Com isso, a demanda tem sido mais moderada do que sugere a força da massa salarial.
Fonte -Fonte: Valor Econômico / Sergio Lamucci