INDÚSTRIA QUESTIONA MARGEM DE LUCRO DAS DISTRIBUIDORAS DE GÁS

A indústria brasileira desencadeou uma nova frente de batalha em torno dos preços do gás natural. O foco da ofensiva são as altíssimas taxas de retorno garantidas nos contratos de concessão das distribuidoras estaduais do insumo energético. Um levantamento da Abrace, associação dos grandes consumidores industriais de energia, aponta que pelo menos dez concessionárias têm rentabilidade assegurada de 20% ao ano.

O efeito direto de tamanha remuneração, segundo a Abrace, é o encarecimento das tarifas pagas na porta das fábricas e a dificuldade em expandir o uso da matéria-prima. Essa taxa está fixada nos contratos em Alagoas, Bahia, Ceará, Paraná, Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Sergipe. Ela era condizente com o cenário macroeconômico da década de 1990, quando a maioria das concessões foi feita, mas ficou incompatível com os indicadores da atual conjuntura.

Outros setores que passaram por concessões na mesma época, como rodovias e distribuição de energia elétrica, tinham rentabilidade parecida. Há, contudo, diferenças fundamentais. No caso de rodovias, os contratos mais antigos preveem taxas até acima de 20%, mas começam a expirar nos próximos anos – a Ponte Rio-Niterói, por exemplo, está prestes a ser relicitada. Com isso, a remuneração cairá para o patamar de estradas recém-privatizadas, que ficou em 7,2% ao ano. As distribuidoras de energia também viram as taxas de remuneração de seus ativos, inicialmente em dois dígitos, diminuir para 7,5% após uma sequência de revisões que acontecem a cada quatro ou cinco anos.

No gás, oito dos dez contratos analisados pela Abrace expiram entre 2043 e 2053. Muitos ainda têm um agravante: a rentabilidade é calculada depois da incidência de Imposto de Renda sobre as concessionárias. “Há um desequilíbrio econômico-financeiro em desfavor dos consumidores”, diz o presidente da Abrace, Paulo Pedrosa. Ele defende a tese de que a remuneração “não é um direito adquirido” das distribuidoras de gás e merece ser avaliada.

Para o executivo, é injusto que novos investimentos das concessionárias recebam a mesma remuneração garantida por contratos firmados duas décadas atrás, sobrecarregando as tarifas dos consumidores atuais. Em uma iniciativa inédita, a Abrace já entrou na Justiça para contestar a rentabilidade da Bahiagás, mas ainda não houve decisão judicial.

As tarifas do gás natural pagas pela indústria chegam a US$ 14 por milhão de BTU (unidade de referência no setor). “Só a parcela que cabe às distribuidoras, em alguns casos, é equivalente ao preço final do insumo nos Estados Unidos”, compara Pedrosa. O gás americano, cujo preço desabou com a exploração das reservas de xisto, gira em torno de US$ 4,50 por milhão de BTU. Enquanto o câmbio ajudava e outros custos das empresas estavam menos pressionados, o problema aparecia menos. Agora, com a queda de competitividade da indústria brasileira, a questão do insumo energético entra com força na agenda.

Em documento enviado aos candidatos à Presidência da República, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) também citou a remuneração de 20% ao ano das distribuidoras de gás, “independentemente do cenário econômico”, como um fator que “contribui para pressionar para cima os preços ao consumidor”.

Na avaliação de Rodrigo Garcia, especialista em políticas e indústria da CNI, o fortalecimento de um mercado livre do gás criaria uma alternativa aos consumidores industriais e estimularia a queda de preços. Isso permitiria às empresas escolher livremente de quem compram o gás. Garcia explica que, na ausência de uma regulação federal sobre o assunto, cada governo estadual fixou a demanda mínima dos consumidores para entrar no mercado livre e há diferenças de até 100 vezes entre as exigências em cada Estado.

A Abegás, associação que reúne as distribuidoras estaduais de gás, foi insistentemente procurada pelo Valor, mas só se manifestou por meio de uma nota sucinta: “Os contratos de concessão, firmados entre os Estados e as concessionárias, respeitam o disposto no artigo 25 da Constituição Federal e cada contrato tem especificidades acordadas entre o Estado e a concessionária. Não compete à Abegás tratar dos contratos geridos pelos Estados”.

As concessões das redes de distribuição de gás foram feitas entre 1993 e 2003, mas a atividade só é controlada por empresas privadas em dois Estados: São Paulo e Rio. Os próprios governos estaduais, a Petrobras ou uma empresa envolvendo essas duas partes exercem o controle nos demais casos. A fiscalização e a criação de normas são feitas por agências reguladoras estaduais – o que gera dúvidas, entre os industriais, sobre a real disposição delas em “apertar” as concessionárias.


Fonte -Fonte: Valor Econômico

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