CONSTRUTORAS CALCULARAM MAL

Nos últimos três anos, o mercado imobiliário brasileiro viveu sua era de ouro. Os consumidores aproveitaram o aumento da renda e o crédito farto e barato concedido a prazos maiores – e foram às compras. Mais de 2 milhões de pessoas financiaram imóveis desde 2009. É como se cada um dos habitantes de uma cidade do porte de Manaus, a sétima mais populosa do país, tivesse saído do aluguel e adquirido sua casa própria nesse período, Com o mercado aquecido, as construtoras enxergaram uma excelente oportunidade para engordar seus lucros. Em pouquíssimo tempo, compraram terrenos em todo o país, fizeram orçamentos preliminares a toque de caixa e começaram a vender novos empreendimentos em ritmo frenético. Nessa competição, entretanto, muitos empresários deram um passo maior do que a perna – e o sonho dourado do setor começou a perder um pouco do seu brilho reluzente. Isso ficou evidente na semana passada, quando a Gafisa, a maior construtora do país no ramo residencial, revelou que, depois de três anos de bonança, teve prejuízo de 1,1 bilhão de reais em 2011.

As causas desse tropeço gigantesco são típicas de quem ficou eufórico com a demanda do mercado em expansão e com a entrada na bolsa de valores. A Gafisa cresceu mais rápido do que deveria e não avaliou corretamente os custos e riscos de seus projetos. No ano passado, a empresa reviu todas as obras e descobriu que precisaria investir 440 milhões de reais além do previsto para concluí-las. Além disso, teria de gastar mais 240 milhões de reais em multas por contratos desfeitos, projetos cancelados e atraso na entrega de imóveis. A Gafisa atribui grande parte de seu prejuízo à Construtora Tenda, adquirida por ela em 2008. Especializada em apartamentos populares (tornou-se um símbolo do “Minha Casa, Minha Vida”, o programa governamental de habitação criado em 2009), a Tenda não rendeu o esperado e tornou-se um peso morro. Todos os seus lançamentos estão suspensos até, pelo menos, o fim deste ano. Em seu esforço para voltar ao azul, a própria Gafisa vai reduzir suas operações nacionais e concentrar o foco em São Paulo e no Rio de Janeiro, mercados em que atua há mais tempo e onde conhece melhor tanto o comportamento dos consumidores quanto a localização de terrenos adequados para o lançamento de novos prédios residenciais.

O crescimento sem planejamento não afetou apenas a Gafisa. Outros gigantes do setor viram seu resultado financeiro piorar e já reduziram o número de novos empreendimentos. Em 2011, os lucros caíram para Tecnisa (28%), Cyrela (17%), PDG (15%), Brookfield (10%) e Even (10%). Uma exceção foi a MRV, cujo lucro aumentou 20%, mas, em compensação, o endividamento total também deu um salto: subiu 63%. O erro de cálculo das 2 construtoras foi o seguinte: acharam que o aumento da demanda lhes traria apenas bônus – mas havia uma armadilha embutida. Para vender mais apartamentos, é preciso contratar mais arquitetos, engenheiros, pedreiros, eletricistas, encanadores. Mas não há tantos profissionais qualificados à disposição um aumento da procura pela mão de obra fez com que os salários disparassem. É a velha lei da oferta e da demanda em ação. Aconteceu o mesmo com o preço de terrenos e de material de construção. Com isso, o custo final dos empreendimentos foi às alturas.

Esse desencontro trouxe dores de cabeça aos clientes. Desde 2008, as queixas registradas contra construtoras nos Procons triplicaram: foram 9584 só no ano passado. A principal reclamação é o atraso na entrega. Os futuros moradores do Spazio Redentore, da MRV, na Tijuca, na Zona Norte do Rio de Janeiro, por exemplo, aguardam o imóvel desde abril de 2010. A qualidade das obras também foi afetada. Os moradores do condomínio Prímola, na Zona Oeste de São Paulo, receberam os imóveis de quase 1 milhão de reais da Gafisa no prazo, mas ficaram quase nove meses sem ligação definitiva com a rede de água e esgoto. Enchiam a caixa d’água com caminhões-pipa e mandavam os dejetos para uma fossa séptica. Para evitarem a repetição de fatos assim, as empresas estão pedindo arrego. “Praticamente todos os novos contratos estão sendo feitos com prazos bem mais longos. As empresas têm de se adequar à nova realidade” – explica José Carlos Martins, vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção.

Mas não há risco de uma repetição do caso Encol, de 1999, quando a construtora quebrou e 40000 famílias perderam seus imóveis. Atualmente, a saúde financeira das empresas é muito mais sólida. Mesmo a Gafisa, que amargou o prejuízo bilionário, tem todas as condições para reverter o quadro. Além disso, hoje, cada empreendimento tem um CNPJ próprio, justamente para não entrar na massa falida em hipótese alguma. Desta vez, as chaves da casa nova podem demorar um pouco mais para chegar – mas chegarão.


Fonte -Fonte: Veja / Carolina Rangel

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