O Brasil produz um terço do café e 7,3% do couro consumidos no mundo. Mas não adianta procurar essa informação nas etiquetas. Calvin Klein, Ralph Lauren e Donna Karan New York não confirmam a presença de couro brasileiro em seus artigos de moda – embora produtores locais digam ser fornecedores. Cafeicultores brasileiros dizem responder por 60% dos grãos do café Nespresso e 50% da Starbucks. As empresas não confirmam. “O grão brasileiro cumpre, nos cafés estrangeiros, o papel desempenhado pelo álcool nos perfumes: é indispensável na fórmula, mas não é reconhecido como responsável por atributos do produto final”, diz Vanuza Nogueira, diretora da associação brasileira de produtores de cafés finos (BSCA). A ausência da expressão “made in Brazil” nas solas de sapato e máquinas de “espresso” reflete o desprestígio de muitos produtos e empresas nacionais no exterior. Das 100 marcas mais valiosas do mundo, apenas uma é brasileira: a Petrobras. A China aparece no ranking 13 vezes, a Rússia duas, a África do Sul duas e a Índia uma. Sem sobressair pelo prestígio, resta aos produtos brasileiros destacar-se pelo preço. É uma situação desconfortável, que impõe margens de lucro estreitas e limita nosso potencial de inovação. Também encurta os horizontes profissionais dos brasileiros, que perdem oportunidades de trabalhar em filiais no exterior ou de se dedicar ao desenvolvimento de produtos e serviços globais.
A reputação do Brasil é decisiva no sucesso dos produtos de exportação. Paira acima da imagem da empresa. É o que os publicitários chamam de “efeito do país de origem” (COO, na sigla em inglês). O consumidor não espera encontrar biquínis atraentes desenhados no Japão ou roupas de inverno desenhadas na Jamaica – e essas impressões, embora não tenham respaldo em argumentos concretos, pautam a escolha do público. “O COO do Brasil é bom para produtos do setor de banho, como biquínis, por causa da imagem da ‘Garota de Ipanema’ e da praia”, diz a professora de marketing internacional da Universidade de Seattle Victoria Jones.“Ter um couro de boa qualidade não é suficiente para tornar o Brasil uma grife nessa área, como é a Itália, conhecida por couro fino”cabe, portanto, às empresas usar a imagem a seu favor – ou se empenhar em contorná-la.
Apoiada na imagem do Brasil como lugar de sol e praia, a Alpargatas tornou as sandálias Havaianas um artigo de moda. Fred Pinel, um fabricante de acessórios de luxo, assinou uma série limitada das Havaianas, feita de couro de crocodilo e vendida por € 450. Grifes como Jean Paul Gaultier, Smalto e Missoni também já colaboraram para dar prestígio ao chinelo de borracha. A marca está à venda em mais de 60 países, em capitais como Madri, Roma, Paris e Londres. A empresa de cosméticos Natura conseguiu aproveitar a imagem do Brasil ao usar matérias-primas da Amazônia, extraídas com processos sustentáveis. Em vez de ser mais uma num mercado povoado por gigantes, como a Avon, a Natura encontrou um nicho em que é reconhecida como mais legítima que as rivais. Em 2005, a marca abriu uma loja em Paris, a Casa Natura.
Embora positiva, a imagem tradicional do Brasil como país tropical oferece um potencial limitado de exploração. “É bom ter essa imagem de alegria, mas precisamos investir em ícones que ajudem as empresas que não vivem disso”, afirma Daniela Khauaja, coordenadora acadêmica da área de marketing da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). A boa fase do Brasil no cenário internacional representa uma rara oportunidade para afirmar marcas e produtos que vão além do cenário de sol e Carnaval. O país ganhou destaque mundial, nos últimos três anos, pelo crescimento da economia num cenário de recessão global. A revista de negócios americana Forbes acaba de escolher, pelo segundo ano seguido, a presidente Dilma Rousseff como a terceira mulher mais poderosa do mundo. Uma brasileira destacada pela gestão pública foge ao clichê do Brasil como terra das mulheres de biquíni, em que tudo se resolve no jeitinho e acaba em samba. O país continuará em evidência nos próximos anos, como sede da Copa do Mundo, em 2014, e da Olimpíada, em 2016.
Pegar carona na imagem do país não significa, necessariamente, ganhar apenas com suas qualidades. Defeitos também podem ser convertidos em vantagem competitiva. os anos de hiperinflação e descontrole monetário, nas décadas de 1980 e 1990, dão ao Brasil boa reputação no planejamento financeiro. Foi uma das armas da empresa de tecnologia da informação Stefanini Solutions, presente em 30 países, como Estados Unidos, Itália e Canadá. Quando entrou no mercado internacional, há 16 anos, a Stefanini teve dificuldade para superar os clichês. “Nas primeiras conversas, os estrangeiros pensavam que eu era um mentiroso ao falar do sistema de pagamentos bancários brasileiro”, diz Marco Stefanini, diretor presidente global da empresa. “Mas não há outro tão bom como o nosso país.” Foco constante de conflitos militares, Israel é outro exemplo de como transformar desvantagens em trunfos. o país é uma referência em segurança pessoal. As consultorias de segurança israelenses exportam serviços e técnicas de defesa para o mundo.
Na incapacidade de explorar a imagem do país, boa ou ruim, a saída para as empresas valorizarem suas marcas é estabelecer-se em centros de referências. Foi o que fez a Embraer. Para construir a reputação do Brasil na indústria aeronáutica, a empresa olhou para o alto. EUA e França, países produtores de aviões, viraram alvos prioritários na conquista de mercado. A segunda exportação da Embraer foi para a França, em 1977. “O Brasil ainda não é reconhecido como criador de tecnologia. No início, enfrentamos dificuldades. mas, depois que o cliente conhece o produto, o preconceito desaparece”, dizo presidente da Embraer, Frederico Ourado. A empresa de software brasileira Totvs almeja algo parecido. Inaugurou, há um ano, uma vitrine de sua marca no Vale do silício, nos EUA. Lá a empresa tem uma equipe de brasileiros, russos, indianos, chineses, além de americanos. O escritório avançado da Totvs serve para prospectar clientes, parceiros comerciais e talentos. “Estamos recebendo currículos de americanos e europeus interessados em trabalhar conosco aqui no Brasil”, diz Alexandre Dinkelmann, vice-presidente de estratégia e finanças da Totvs.
Em mercados como o couro e o café, o desafio dos empresários brasileiros inclui a superação da reputação negativa de seus setores. Historicamente, os cafeicultores brasileiros privilegiaram a quantidade em detrimento da qualidade. “Além de não oferecermos o melhor café, não tínhamos um trabalho da marca. Ficamos para trás. É o que estamos tentando mudar agora”, diz Vanuza, da BSCA. Agora, a associação procura seguir o exemplo de construção de imagem feita pela marca Juan Valdez, da Colômbia, cujos produtos firmaram-se como referência mundial.
O desprestígio do couro brasileiro também não surgiu por acaso. sua qualidade é historicamente ruim, consequência da criação do gado solto, mais sujeito a arranhões. A origem do couro é duvidosa. Boa parte do gado brasileiro é criada em áreas proibidas, como terras indígenas na Amazônia, com mão de obra em condições análogas à escravidão. Fortes concorrentes do Brasil, países como Irlanda, Austrália e Argentina são mais desenvolvidos em processos e certificações. Estima-se que menos de 10% dos curtumes brasileiros tratem os resíduos do preparo do couro dentro de normas internacionalmente aceitas. Os setores de café e couro têm diante de si não apenas a tarefa de usar bons argumentos de venda com os compradores estrangeiros, mas também de torná-los realidade.
Fonte -Fonte: Graziele de Oliveira e Rafael Ciscati