O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) traçou um cenário preocupante para o abastecimento de energia nos próximos meses. Em uma reunião com executivos do mercado, fez uma previsão de hidrologia desfavorável em março, agravando a perspectiva dos reservatórios e aumentando as especulações em torno da necessidade de racionamento. No mês que se inicia amanhã, as chuvas devem atingir 67% da média histórica, nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. No Nordeste, a estimativa é que fiquem em apenas 32%.
Em fevereiro, o quadro já foi desolador: o Nordeste teve a pior afluência desde 1931. No subsistema Sudeste/Centro-Oeste, foi o segundo pior registro para meses de fevereiro na série de 84 anos.
Ao divulgar esses números, em conversa com executivos, o ONS gerou apreensão na plateia. E deixou o temor mais forte, durante reunião em que expõe preliminarmente sua estratégia de operação em março, quando calculou exatamente os riscos de déficit de energia ao longo do ano.
Para o ONS, há 71% de chances que falte pelo menos um megawatt no sistema interligado em 2014. Há exatamente um mês, quando convocou o mercado para falar sobre a operação de fevereiro, esse risco foi calculado em 20%. Desequilíbrios tão pequenos entre oferta e demanda não geram a necessidade de racionamento ou de medidas drásticas de contenção do consumo.
Em casos assim, segundo engenheiros com ampla experiência na operação do sistema elétrico, é possível administrar de forma “suja” a demanda. Isso significa, por exemplo, baixar a tensão da rede. As lâmpadas podem acender com voltagem menor, computadores apresentam pequenas falhas, a indústria eletrointensiva pode sofrer “apaguinhos” de milésimos de segundo.
Tudo isso é capaz de evitar cortes seletivos de energia, mas é uma evidência de que o sistema como um todo opera à beira do limite. Quando há um déficit de até 3% da carga total, medidas como essas ainda podem salvar o país de um racionamento.
A preocupação realmente tornou-se grande quando o ONS calculou o risco de um déficit de até 5% da carga total. Com esse desequilíbrio entre oferta e demanda, segundo especialistas, já não se pode evitar medidas para reduzir o consumo. Não significa que não haja hidrelétricas suficientes para atender à demanda, mas que elas talvez não possam produzir a todo vapor porque estão com seus reservatórios vazios. O operador indicou que esse risco hoje está em 24,5%. Há um mês, era de 5,9% – o sistema foi desenhado para um risco de, no máximo, 5%.
Esse cálculo é feito com base nos modelos matemáticos e computacionais do ONS. Programas como o Newave e o Decomp determinam quais usinas – térmicas e hidrelétricas – devem ser ligadas ou não, obedecendo a uma ordem de custo para gerar energia. Os mesmos modelos indicam o risco de que não haja mais megawatts para produzir.
Surpreendendo os agentes do setor, entretanto, houve um apelo oficial para que esse tipo de cálculo não seja levado em consideração. A apresentação foi feita pelo diretor de planejamento do ONS, Francisco José Arteiro, e pela diretora do departamento de otimização energética do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel), Maria Elvira Maceira.
Ambos defenderam que a “tendência hidrológica” verificada nos últimos meses – chuvas muito abaixo da média histórica – não seja levada em conta para o restante do ano. Esse seria um defeito dos modelos de computador, segundo Arteiro e Maria Elvira, que deve ser excluído dos cálculos. O “correto”, afirmaram à plateia, é trabalhar com um risco de déficit de 2% neste ano.
A brutal diferença de números foi encarada com desconfiança – e até descrença – pelos especialistas, que viram um esforço do ONS para atenuar o receio do mercado quanto à possibilidade de racionamento. “Fizeram uma macumba para desmontar o modelo, mas pegou mal”, disse um participante da reunião, que relatou ter saído com a convicção de que o cenário é “muito preocupante”.
Fonte -Fonte: Jornal Cana