Os parques lineares ajudam a reduzir as enchentes e a melhorar a qualidade de vida nas cidades
O médico foi taxativo. Para voltar a sorrir, Manoel Cândido de Oliveira, de 56 anos, precisava de outros ares. Sair de casa, conversar com gente, exercitar o corpo para transformar o nervosismo e a ansiedade, velhos conhecidos seus, em ânimo novo. O médico recomendou que Oliveira participasse de um grupo de caminhada organizado por agentes de saúde da vizinhança onde mora, no distrito da Brasilândia, Zona Norte de São Paulo. Ele acatou a orientação. Há quase dois anos, passou a andar ao ar livre, num parque construído recentemente em seu bairro. Sua pressão arterial, que nunca ficava abaixo de 14 por 9 e não raro chegava a 18 por 10, estabilizou se em 12 por 8. O humor também melhorou. “A gente conversa, passa o tempo, começa a ter mais conhecimento”, diz Oliveira.
Toda cidade com significativa expansão urbana enfrenta pelo menos dois grandes desafios para criar áreas de respiro. O primeiro a encontrar terrenos livres e, de preferência, com fragmentos de florestas. O segundo, esses mesmos poucos locais disponíveis são altamente valorizados pelo setor imobiliário. Para vencê-los, alguns municípios brasileiros investem hoje numa solução consolidada há décadas no exterior: os parques lineares. Essas construções alongadas e estreitas acompanham ferrovias, rodovias, linhas elétricas, canais ou rios. Boston, nos Estados Unidos, abriga um dos pioneiros nesse modelo de área verde, o Emerald Necklace, ou “colar de esmeralda”. Trata-se de um sistema de parques lineares que cerca toda a cidade. O High Line, em Nova York, foi erguido sobre uma antiga linha férrea. Seul, na Coreia do Sul, desenvolveu um projeto urbanístico ainda mais ousado: demoliu toneladas de concreto de um viaduto, despoluiu o canal vizinho e criou parques lineares no leito, devolvendo à população o contato com o rio.
A Brasilândia, órfã de áreas verdes até 2010, hoje tem seu próprio parque linear. A área, onde agora residem uma pista de caminhada, uma quadra esportiva e brinquedos infantis (alguns deles quebrados, lamentavelmente), funcionava antes como lixão improvisado. Ali havia uma favela com 600 famílias. O córrego à beira das ocupações irregulares, castigado pela erosão, invadira a rua, deixando-a interditada para carros e ônibus. Para se exercitar, os companheiros de caminhada de Oliveira usavam vias movimentadas ou calçadas tão apertadas que não comportavam dois pedestres lado a lado sem o desagradável esbarrão. A alternativa adotada por Nova York, Boston e Seul permitiu que a Brasilândia respirasse melhor. A retirada da favela deixou o solo livre para receber a água da chuva. O córrego carrega menos água do que se tivesse margens de concreto. As moradias irregulares, grandes vítimas dos temporais de verão que assolam as cidades, não mais correm o risco de encher nem desabar. Oliveira, o paciente disciplinado, agora tem onde exibir suas passadas aceleradas.
“O parque linear ajuda na drenagem e tem um papel importante para reduzir os impactos dos eventos climáticos extremos”, afirma Sun Alex, arquiteto da Secretaria do Verde e Meio Ambiente de São Paulo. Além de oferecer lazer aos moradores, o parque linear, principalmente quando erguido no entorno de cursos d’água, comporta-se como uma esponja urbana. Ao substituir áreas impermeáveis (favelas, ruas, avenidas ou calçadas) por vegetação, absorve a chuva e diminui a velocidade do escoamento da água. Isso reduz as chances de enchentes. Esse tipo de área verde aliviou o cotidiano da Brasilândia, que tem um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDHs) de São Paulo. As famílias que antes viviam nos barracos, segundo a prefeitura, foram indenizadas ou transferidas para moradias populares.
Ainda que pequeno e com as árvores pouco encorpadas, o novo espaço tornou-se ponto de encontro de jovens, alternativa para a prática de esportes e um lugar para as crianças brincarem. O mesmo já ocorre em outros municípios. Rio Branco, no Acre, ganhou um parque linear erguido num antigo lixão irregular. Curitiba, com a construção de áreas verdes interligadas ao Parque Bangui, terá um dos dez maiores parques lineares do mundo, com 45 quilômetros de extensão. São Paulo deverá fechar o ano com 24.
Áreas verdes funcionam como pequenos oásis nos grandes centros de concreto. Estimulam a população a conviver com a cidade. Criam condições para uma vida esportiva, ao ar livre e, conectada à natureza. Melhoram o microclima. Retêm os gases poluentes e ajudam na drenagem. Tê-las por perto, nem que para olhar de longe, implica desfrutar uma rotina mais saudável. “Não é só uma questão de mais oxigênio para respirar”, afirma Raul Pereira, arquiteto e paisagista. “Os parques recuperam a poesia das cidades, mudam a forma de se relacionar com o espaço.”
Um dos mais visitados parques urbanos do mundo, o Central Park, em Nova York, foi inaugurado em 1857 e expandido no ano seguinte pelo americano Frederick Law Olmsted, o pai das paisagens urbanas, e pelo arquiteto inglês CalvertVaux. O modelo foi reproduzido em outras cidades dos Estados Unidos e da Europa: áreas verdes protegidas transformaram-se em ilhas de natureza no mar de concreto das metrópoles. O Brasil ficou para trás.
Grande parte dos municípios sofreu uma ocupação desordenada, e o impulso de cimentar o solo, tapar córregos e construir sobre vãos livres prevaleceu. “São Paulo é uma cidade brutalmente ocupada pelo concreto”, diz Pereira. “Perdemos uma oportunidade única nos anos 1930 de ter parques nos arredores dos grandes rios, como os Pinheiros, o Tamanduateí e o Tietê.” Na impossibilidade de reverter a história, São Paulo tenta correr atrás do prejuízo. A cidade, que até 2005 tinha somente 34 parques, pouco para a quarta maior metrópole do mundo, pretende fechar o ano com um total de 100 espaços verdes. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que os municípios ofereçam 12 metros quadrados de área verde por habitante. São Paulo somava um mísero 1,5 metro quadrado há sete anos. Se a prefeitura cumprir o prometido, a capital chegará a 4,36 metros quadrados de vegetação por morador até o fim de 2012.
Um estudo publicado no Journal of Epidermology and Community Health, com base nos registros eletrônicos de 345.143 pacientes da Holanda, sugere que quem mora em ambientes com vegetação tem menos problemas de saúde, especialmente depressão e ansiedade, do que quem vive em espaços repletos de concreto. Publicada em 2009 pela VU University Medical Center, em Amsterdã, a pesquisa diz que os maiores benefícios ocorrem quando se reside a menos de 1 quilômetro do verde. Outros estudos levantam os ganhos financeiros de manter parques conservados.
Segundo um relatório do Departamento de Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais (Defra) do Reino Unido, cuidar dessas áreas vale pelo menos 30 bilhões de libras por ano em benefícios para a saúde no país.
Após suas primeiras caminhadas pela Brasilândia, Manoel de Oliveira logo reconheceu as vantagens de ter um parque no quintal de casa. Vítima de um acidente vascular cerebral (AVC) aos 30 anos, passou cinco numa cama sem andar, nem falar. Sofrera o derrame dormindo. Seu lado esquerdo do corpo “ficou esquecido”, costuma dizer sobre a paralisia que lhe tomou braço e perna. Quem vê Oliveira caminhando pelo parque todas as segundas-feiras e quartas- feiras não imagina seu histórico de saúde. Ele quase sempre se mantém à frente dos colegas. “Distrai a mente, né?”
Fonte -Fonte: Revista Época / Aline Ribeiro