A INFLAÇÃO COMEÇA A MOSTRAR SUAS GARRAS

O governo passou anos fazendo pouco-caso da inflação, apostou na ideia ultrapassada de que tolerar os reajustes ajudaria a aquecer a atividade econômica, e deixou o país no pior dos mundos. A economia está parada, se não em recessão, como evidencia o aumento do desemprego. Enquanto isso, os preços não param de subir. Fazia tempo que o dinheiro no bolso não perdia valor com uma velocidade tão acelerada. Em março, o índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 1,32%, a maior alta para o mês em duas décadas. A paulada inflacionária teve o impulso de um aumento médio de 22% nas tarifas de energia, um reajuste que já era esperado, mas vinha sendo represado. Antes fosse a eletricidade a única conta pesando no orçamento das famílias. De acordo com os números do IBGE, mais de 70% dos quase 500 itens avaliados mensalmente tiveram elevação de preço em março. No acumulado dos últimos doze meses, o IPCA ficou em 8,1%. Trata-se da maior variação anual desde 2003.

Os números comprovam aquilo que os brasileiros já sentiram no dia a dia. A vida ficou mais cara, e os rendimentos não acompanharam a alta nos preços. A inflação, uma velha senhora que reluta em sair de cena no país, bate novamente à porta. Apenas nos três primeiros meses do ano, ela acumula uma alta de quase 4%. Assim, em um único trimestre, praticamente foi atingida a meta oficial para todo o ano, de 4,5%.

É esse o número que deveria ser perseguido pelo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. Entretanto, a última vez que o IPCA ficou abaixo do alvo foi em 2009, e nenhum analista consegue antever quando ele recuará para esse patamar. Dilma Rousseff e sua equipe, além de não enfrentarem a inflação de maneira adequada, contribuíram para elevá-la ainda mais, com a sua política de aumento maciço nos gastos públicos e distribuição de crédito subsidiado. Daqui para a frente, serão necessários meses seguidos de juros nas alturas e retração na atividade, com o inevitável aumento do desemprego, para debelar o ritmo das remarcações. O governo, em vez de domar o incêndio logo no início, optou por deixar o fogo se alastrar, contendo-o apenas com o paliativo do represamento no preço dos combustíveis e das tarifas de energia. A fogueira se disseminou, e extingui-la exigirá trabalho dobrado. “O descuido do BC com as expectativas inflacionárias, um resultado de anos seguidos de má gestão da política monetária, levará agora a um processo de desinflação que promete ser muito mais custoso do que teria sido se fosse realizado anteriormente”, afirmou o economista Alexandre Schwartsman, em uma análise dos efeitos do combate à inflação sobre a atividade econômica e o emprego.

O aumento no custo de vida significa queda no poder de compra. Os supermercados já observaram a diminuição na compra de produtos considerados supérfluos. O comércio de eletrônicos e de vestuário também sentiu o baque nas vendas. Com a demanda retraí-o da, a indústria e os lojistas fizeram | ajustes em seu quadro de funcionários. S No primeiro trimestre, de acordo com dados nacionais do IBGE, o desemprego subiu para 7,4%. Há um ano, a taxa era de 6,8%. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que registra as vagas com carteira assinada, mostra que houve o fechamento de 80 000 postos de trabalho nos dois primeiros meses do ano. O setor que mais demitiu foi o comércio, com o corte de quase 130 000 pessoas. É comum que no início do ano o setor registre saldo negativo, principalmente por causa da dispensa de funcionários temporários contratados no período das festas de fim de ano. Entretanto, o fechamento de vagas de emprego de 2015 representa mais que o dobro do registrado no primeiro bimestre do ano passado. “Quando a inflação e os juros subiram, o consumidor percebeu a piora no cenário econômico e parou de se endividar. As vendas caíram e o comércio começou a demitir”, afirma o economista Vitor França, da Fecomércio de São Paulo. “As pessoas continuam indo ao supermercado, mas tendem a descartar itens da lista de compras.” Os setores menos afetados pela crise são aqueles de bens considerados essenciais, como combustíveis, alimentos e farmacêuticos. Artigos de moda e eletroeletrônicos, em contrapartida, são as primeiras vítimas do ajuste no orçamento familiar.

O Brasil entrou em um círculo vicioso. O aumento da inflação derrubou a confiança, corroeu os salários, afetou o consumo e desestimulou os investimentos. Conter a pressão por reajuste de preços, entretanto, exigirá esfriar a economia, até que os focos do incêndio sejam enfraquecidos. Sair dessa ciranda do crescimento baixo e da inflação elevada levará tempo. O governo inflige ao país o preço de ter ignorado o ensinamento, de mais de quatro décadas, dos economistas americanos Milton Friedman e Edmund Phelps. Contrariando o pensamento dominante nos anos 60 e 70, ambos alertaram para o fato de que não era verdade a premissa segundo a qual a inflação mais elevada poderia ser usada como uma estratégia para manter a economia aquecida e, portanto com um desemprego baixo. Friedman e Phelps, ambos ganhadores do Nobel, disseram que esse feito só ocorria em curto prazo. Com o tempo, o aumento nos preços pressionava novos reajustes, nas mercadorias, nos serviços e nos salários. Isso porque as empresas e as pessoas começam a incorporar a expectativa de uma alta ainda maior de custos no futuro, jogando mais lenha na inflação. Uma hora, ela foge do controle. O equilíbrio inflacionário, então, exigiria, disseram os economistas, uma dose severa de juros, controle nos gastos públicos e retração na economia. Friedman e Phelps descreveram, com anos de antecedência, o que ocorre atualmente no Brasil.


Fonte -Fonte: Veja

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