O presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, deu nesta semana um recado para a indústria naval: “o Brasil tem vantagens em recursos naturais e os chineses tem o potencial industrial”. Ou seja, a companhia pretende continuar contratando suas plataformas na Ásia e, em especial na China. Mas parece esquecer que colocar frente a frente o mercado da Ásia e do Brasil é o mesmo que uma luta entre Mike Tyson e um peso pena. Afinal, o setor brasileiro possui mais impostos, leis trabalhistas, exigências de QSMS e um cipoal de regulação que dificultam a competição.
Diante das declarações de Castello Branco, o Petronotícias foi ouvir o setor naval sobre as opiniões e o posicionamento do presidente da estatal. A resposta foi dura: “Essa é a cabeça de quem acha que o Brasil sempre será colônia”, disse o vice-presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), Sergio Bacci (foto). Para o entrevistado, o governo brasileiro deveria, por meio da Petrobrás, fazer um grande acordo para realizar a construção de embarcações no Brasil e gerar emprego no período de pós-pandemia. “Eu acredito que muitos comércios vão fechar e a mão de obra ficará desempregada. A indústria teria um papel importante de assimilar boa parte desta mão de obra”, avaliou.
Nossa reportagem tentou também ouvir o Presidente Castello Branco, apelando para o famoso “fator sua mãe”. Será que o presidente teria o mesmo discurso se ele, a mãe ou um filho tivessem uma pequena ou média empresa brasileira fornecedora da Petrobrás? E uma segunda pergunta: Qual o conselho ele daria para o empresariado brasileiro da cadeia de petróleo e gás que, na grande maioria, estão com suas empresas praticamente despedaçadas, depois de uma sequência de graves crises. Tanto política quanto econômica. Perguntamos isso porque o executivo tem uma formação bem substanciosa e, talvez, tivesse uma dica importante de como ser competitivo nas atuais circunstâncias do país. A assessoria de imprensa da Petrobrás, no entanto, disse que o executivo não iria responder. Vejam agora as considerações de Sergio Bacci:
-Gostaria de começar pedindo sua avaliação da postura da atual gestão da Petrobrás de desprezo em relação à indústria naval brasileira.
Na realidade, a postura de desprezo da Petrobrás não é só com a indústria naval. É com a indústria brasileira. Na medida em que decide contratar tudo na China, a Petrobrás não está desprezando só a indústria naval mas toda a indústria nacional que fornece para a empresa. Se antes da pandemia essa postura já era um equívoco, no pós-pandemia será um equívoco ao quadrado.
Por quê?
Porque ficou provado na pandemia que a dependência em tudo da China resulta em problemas. Haja visto a questão dos respiradores. O Brasil está com um trabalho enorme para comprar estes equipamentos porque só são feitos na China. Se o Brasil resolver comprar tudo na China, em algum momento teremos problemas.
Mas eu vou além. No pós-pandemia, estamos avaliando que teremos uma quantidade de desempregados formais na casa de 20 milhões a 25 milhões. Fora os informais. Esses são números que beiram, guardadas as devidas proporções, a Depressão de 30 nos Estados Unidos. E como os americanos saíram da crise na Depressão de 30? Foi em um grande acordo entre o governo, as indústrias e os trabalhadores. Este grande acordo e concertação que permitiram aos EUA sair da crise. E foi um processo demorado.
O mesmo deveria ser aplicado no Brasil na pós-pandemia?
Entendemos que o ideal no pós-pandemia para o governo brasileiro, isto é, a Petrobrás, seria fazer uma concertação onde daria a prioridade para a construção no Brasil e geraria emprego aqui. Eu acredito que muitos comércios vão fechar e a mão de obra ficará desempregada. A indústria teria um papel importante de assimilar boa parte desta mão de obra.
O presidente da Petrobrás trata a companhia como uma empresa privada. Mas ele precisa entender que 50,26% do capital da Petrobrás é público. Então, ele não pode tratar a Petrobrás como se fosse uma empresa dele. Mais da metade desta companhia é da população brasileira. Portanto, seria bom o presidente atender a população brasileira, que é o seu chefe maior.
Não quero ser radical. O que temos falado, até internamente dentro da Petrobrás, é que se eles querem construir na China porque é mais barato, que pelo menos dividam algumas encomendas com o Brasil. Se, por exemplo, vão construir dez plataformas, que construam quatro delas no Brasil para não deixar a nossa indústria na mão.
A cabeça de Castello Branco é de quem está lidando com uma lojinha particular, dele mesmo. Mas acho que a Petrobrás não é a lojinha dele, e sim do conjunto dos brasileiros. Por isso, ele deveria pensar mais no conjunto dos brasileiros do que no capital privado.
O presidente da Petrobrás, durante uma transmissão online nesta semana, disse que os chineses produzem plataformas e o Brasil produz petróleo. Esta é a melhor estratégia para o país?
Essa é a cabeça de quem acha que o Brasil sempre será colônia. É importante exportar commodities, mas se conseguirmos exportar produtos e bens, com certeza teremos uma balança comercial muito melhor. Além disso, essa história que a China produz plataformas e nós só as commodities não é verdade. O Brasil produz plataformas e barcos de apoio também. Vale lembrar que por 10 anos, só para a Petrobrás, foram construídos aqui no país mais de 250 barcos de apoio.
Nós sabemos produzir. Só que para isso precisamos ter encomenda. E nós entregamos também, porque é mentira a história de que a indústria naval brasileira não entrega. Nós não atrasamos. Também não é verdade que a China entrega tudo no prazo, porque eles entregam com atraso, fora que os produtos chineses chegam ao Brasil e precisam passar por ajustes nos nossos estaleiros.
Poderia traçar um panorama atual da situação da indústria naval brasileira?
No ano 2000, tínhamos aproximadamente 1.000 empregos na indústria naval. Depois, com a retomada da indústria nos anos seguintes chegamos a um auge, em dezembro de 2014, de 82 mil empregos diretos no setor. Isso correspondia a aproximadamente a 320 mil empregos indiretos. Hoje, a indústria tem no país cerca de 15 mil empregos. Levando em conta só o Rio de Janeiro, o número baixou de 30 mil em 2014 para 3 mil.
Existiam 42 estaleiros funcionando no Brasil e hoje temos 15 unidades abertas. Mas muitos deles não estão produzindo embarcações. Estão fazendo reparos e servindo de estacionamentos para embarcação e terminais para contêiner. Tínhamos uma quantidade de estaleiros que atenderia toda a demanda que o Brasil viesse a ter. Hoje, existem de três a quatro estaleiros em recuperação judicial. Enfim, a situação é muito ruim.
Mas vamos ser otimistas. Esperamos que quando a pandemia acabar, o governo vai perceber a importância da indústria. E quando eu falo em indústria, não estou falando só de naval, mas a indústria como um todo. Ou o governo entende que a indústria terá um papel fundamental na retomada da economia brasileira ou teremos problemas seríssimos no país.
Ao que se deve essa sua previsão?
O setor de comércio e serviços vai demorar muito tempo para ser retomado. Está claro que a população vai empobrecer e o consumo vai diminuir. Consequentemente, o comércio e os serviços vão diminuir também. A nossa tábua de salvação será a indústria. Ou o governo entende isso ou tenho dificuldade em ver o futuro deste país.
A indústria naval teme perder cérebros e talentos que foram sendo desenvolvidos durante a fase vertiginosa do setor?
Já estamos perdendo. Basicamente, a indústria está parada há cinco anos. A tecnologia se altera ano a ano. Então, evidentemente, se houvesse uma retomada hoje, teríamos que fazer um treinamento para readequação de mão de obra. Não perdemos tudo, mas perdemos uma parte do que foi preparado pelo setor até 2014. Se a situação atual permanecer, vamos voltar aos idos dos anos 2000. E aí, em uma possível retomada, será muito difícil por conta do custo caro para treinar a mão de obra. E no pós-pandemia dificilmente teremos recursos para atender essa demanda.
Citando novamente o webinar com os presidentes das petroleiras, muito se falou sobre a falta de competitividade do Brasil. Queria que o senhor falasse da competitividade do setor naval do país.
Bom, primeiro é preciso entender o que eles chamam de ser competitivo. Se ser competitivo para eles é conseguir disputar com a China, eu digo que nenhuma indústria consegue. Nenhuma. Se tirarmos a China e considerar apenas os demais países, conseguimos ser competitivos.
Provamos isso com os barcos de apoio. Quando falei que fizemos mais de 200 barcos de apoio no Brasil, é importante lembrar que no início dessas construções o país não era competitivo. Mas à medida que o Brasil foi construindo embarcações, passou a ser competitivo. Conseguimos nos tornar competitivos por conta da demanda da época.
Quando há demanda, é possível melhorar os índices de produtividade para poder se tornar competitivo. Nós somos competitivos. É verdade que podemos melhorar. Precisamos discutir formas. Sempre estamos dispostos a isso. Nunca deixamos de ser abertos ao diálogo. Quem não é aberto é o governo.
Em um ano e meio do [atual] governo, fomos recebidos uma vez pelo ministro de Infraestrutura. Um segmento importante como o nosso ser recebido uma vez pelo governo mostra como está o tratamento da indústria. Difícil…
Por fim, o senhor pode nos falar quais serão os próximos passos do Sinaval para ajudar o setor?
O Sinaval está disposto a dialogar e ver o que é possível para ajudar o país. O mais importante de tudo é, no pós-pandemia, termos uma grande concertação para sairmos melhores desta pandemia. Isto é o mais importante neste momento: diálogo. Ver o que é o possível para ajudar os brasileiros, que terão muitas dificuldades no pós-pandemia. E aí, o Sinaval está aberto ao diálogo para dar sua contribuição e ajudar o país a sair da grande crise que enfrentaremos nos próximos anos.