MUDANÇAS CLIMÁTICAS AMEAÇAM VAZÃO DE RIOS E GERAÇÃO DE ENERGIA

A mudança climática ameaça a geração da energia elétrica no Brasil – a vazão de rios pode diminuir entre 20% e 90% ao longo deste século comprometendo a geração de usinas hidrelétricas. O aumento de chuvas em determinadas regiões, que já causa danos à malha rodoviária brasileira, pode forçar a revisão do sistema de drenagem da rede de transportes. As projeções de elevação do nível do mar e do regime de ondas em 2030 e 2050 apontam para a necessidade de readequação dos portos no País. Alguns prontos-socorros e corpos de bombeiros em zonas costeiras estão em áreas de alta vulnerabilidade e correm o risco de ficar inoperantes no caso de eventos climáticos extremos no futuro.

Análises na área de energia, infraestrutura, saúde e recursos hídricos fazem parte do mais ambicioso estudo sobre vulnerabilidades brasileiras à mudança do clima coordenado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República. A ideia é que alimentem de informações o plano nacional de adaptação à mudança climática, que está em gestação no governo.

Os estudos de vazão são apenas um capítulo do “Brasil 2040: Cenários e Alternativas de Adaptação à Mudança do Clima”, com previsão de conclusão em julho. O trabalho foi iniciado há 2 anos, na gestão do economista Marcelo Neri à frente da SAE e representa um investimento de R$ 3,5 milhões de recursos do Tesouro e da cooperação internacional, como aportes do Reino Unido. São estudos setoriais focando nas vulnerabilidades da agricultura, energia, infraestrutura de transportes, portuária e costeira, saúde, infraestrutura urbana e recursos hídricos com 25 anos de horizonte. Envolve equipes com 40 profissionais de conceituados institutos de pesquisa brasileiros e pretende inspirar políticas públicas de adaptação aos efeitos da mudança do clima.

O primeiro impacto, no entanto, atingiu os líderes da iniciativa, o matemático Sergio Margulis, 59 anos, subsecretário de Desenvolvimento Sustentável da SAE, e Natalie Unterstell, ex-diretora de Programas. Néri, que chefiou a SAE por dois anos foi substituído em março pelo filósofo Roberto Mangabeira Unger, que está promovendo mudanças na equipe. Natalie, administradora de empresas especialista em economia de recursos naturais, foi exonerada. A saída de Margulis – Phd em economia ambiental que trabalhou no Banco Mundial por 22 anos e em 2008 liderou um estudo sobre os impactos da mudança do clima na economia brasileira – é questão de horas.

A movimentação deixou o projeto acéfalo e não há, ainda, anúncio formal dos substitutos. Margulis, que pretende se aposentar do serviço público, deve ser substituído por Alberto Lourenço, especialista em políticas públicas e gestão governamental. A rede de pesquisadores envolvida com o Brasil 2040 está apreensiva.

O Valor procurou Mangabeira Unger, mas a assessoria de imprensa da SAE informou que o ministro não quer falar por ora. Em nota, a secretaria informou que “substituições de ocupantes de cargos de direção, quando da troca de ministros, são corriqueiras em qualquer ministério, em qualquer lugar no mundo”. Disse ainda que o estudo “prossegue como originalmente planejado, sem alteração alguma no cronograma de entrega dos diversos produtos pelas instituições responsáveis”. Rebateu as insinuações que circularam na imprensa de que as substituições “podem comprometer a preparação do Brasil para a COP-21”, a conferência de Paris, em dezembro, onde se espera que os países cheguem um acordo climático global. “O estudo é uma das primeiras tentativas de avaliar como o conhecimento científico sobre cenários futuros de mudanças climáticas pode servir à definição de políticas públicas em setores-chave para o desenvolvimento”, diz Carlos Nobre, diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). “Fornece subsídios para adaptação às mudanças climáticas possibilitando opções de políticas de construção de resiliência econômica e social, maximizando segurança hídrica, energética e alimentar”, continua o ex-secretário de políticas de pesquisa e desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, um dos parceiros da SAE na iniciativa.

Um dos esforços da equipe de Margulis foi estabelecer diálogo intenso com os ministérios e as agências envolvidas com as análises setoriais. Criou-se um comitê técnico consultivo com 18 membros (todos os ministérios e agências), representantes do setor privado e de ONGs. Foram promovidos workshops com os pesquisadores e especialistas do exterior para troca de experiências. A base dos estudos das vazões de rios, que está praticamente pronto e causou surpresa no setor, são dois modelos climáticos globais, um inglês e o outro japonês. Eles são utilizados (junto com outros 44) pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática das Nações Unidas (o IPCC) para fazer cenários de médio e longo prazo sobre o clima no mundo. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) regionalizou esses dois modelos globais para a América Latina e Central e trabalhou em dois cenários com mais detalhes. “Passamos a enxergar o território brasileiro com resolução de 200 km x 200 km”, explica a pesquisadora do Inpe Chou Sin Chan, coordenadora da equipe que preparou esses cenários de mudança climática.

O maior detalhamento permite que sejam usados até para estudar impactos em municípios. O Inpe utilizou dados de temperatura, ventos, umidade, chuvas e evaporação, jogou nos dois modelos climáticos e produziu quatro cenários possíveis de mudança do clima no Brasil, com horizontes que vão a 2040, 2070 e 2100. “O que vimos foi uma redução de chuvas no Sudeste, no verão, nas quatro possibilidades”, diz Chou. No Centro-Oeste há redução de chuvas também, que não se verifica tão forte no Nordeste. O Sul tem mais chuva ao longo dos anos. Chou alerta, no entanto, para a margem de incerteza dos modelos. “Não existe ainda o modelo perfeito. A incerteza faz parte da complexidade do sistema atmosférico.” Ela aplaude a iniciativa da SAE: “O país tem que se preparar para os impactos da mudança do clima. Um país que não se planeja terá problemas lá na frente.” Os pesquisadores da vazão dos rios rodaram modelos para 196 bacias hidrográficas. Em Belo Monte, as reduções de vazão do Xingu podem oscilar entre 25% e 55%, até 2040. O caso da usina de Sobradinho é mais crítico, com possibilidade de diminuição entre 20% e 65% até 2070. Em Itaipu, contudo, a vazão do rio pode aumentar entre 10% e 20%. “Não estamos dizendo que esses são os cenários que vamos observar, mas que são uma possibilidade.

A resposta em termos de planejamento tem que ser robusta o suficiente”, diz o engenheiro Eduardo Martins, da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), responsável pelos estudos, ao lado de hidrólogos da Universidade Federal do Ceará. “A maioria das bacias apresentou redução nas vazões. Isso impõe um desafio ao setor elétrico”, afirma Martins. “A partir daí, outra equipe nos dirá qual o impacto da redução das vazões no sistema elétrico brasileiro”, diz Natalie. “Esses resultados têm uma série de implicações tanto no projeto das hidrelétricas, em sua capacidade de gerar energia, assim como nos usos múltiplos da água.” Segundo ela, “estávamos promovendo esse debate na SAE, construindo inteligência para nos adaptarmos.” “Se esperava que uma hidrelétrica gerasse dez, mas ela só vai produzir oito, temos que estudar quem vai gerar os outros dois. O Brasil não pode ficar sem energia”, diz o professor Roberto Schaeffer, da Coppe-UFRJ e coordenador da parte de energia do estudo da SAE. “Vamos analisar que obras terão que ser feitas, quanto irão custar, qual a solução de menor custo para o sistema energético repor o que a mudança climática irá subtrair.”

O “Brasil 2040” prevê estudos inéditos e análises detalhadas sobre impactos na agricultura e saúde Wilson Cabral de Sousa Júnior, professor do Departamento de Recursos Hídricos do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) está envolvido com estudos em infraestruturas de drenagem urbana e costeira. Diz que será preciso readequar os portos no país. “Temos que enxergar as tendências que os cenários climáticos apontam e nos preparar”, concorda Bruno Pagnoccheschi, da Agência Nacional de Águas (ANA).


Fonte -Fonte: Valor Econômico

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