El-Erian, estrela das finanças, acha que a economia mundial corre o risco de ter menos crescimento, mais desemprego, mais instabilidade e mais protecionismo
A crise mundial é dura, mas Mohamed El-Erian, de 54 anos, não parece atingido por isso. Só no ano passado, ele ganhou 100 milhões de dólares por seus serviços na Pimco, líder mundial na gestão de investimentos com sede em Newport Beach, na Califórnia. A Pimco administra ativos de 1.8 trilhão de dólares. Se fosse um país, estaria entre os dez mais ricos do mundo. Desde a crise financeira de 2008, El-Erian é uma estrela das finanças internacionais em ascensão. Lançou Mercados em Colisão, livro que recebeu alguns dos mais importantes prêmios de literatura econômica. Transformou-se na cara mundial da Pimco e em provável sucessor do fundador, Bill Gross. Passou a aparecer nos principais canais de TV especializados em economia, como CNBC e Bloomberg, e tomou-se articulista do jornal Financial Times. El-Erian é um dos raros homens de mercado que falam com os bancos centrais de igual para igual.
Na quinta-feira passada, depois que o Banco Central Europeu finalmente decidiu comprar os títulos soberanos dos países mais encrencados, como Espanha e Itália, El-Erian ficou mais aliviado com os contornos da crise europeia: “O Banco Central Europeu agiu, mas ainda precisa de ajuda das demais entidades governamentais. Como está, não é o suficiente”. Para ele, o mundo ainda corre riscos. Nesse caso, a economia mundial terá crescimento mais baixo e desemprego mais alto, particularmente entre os jovens. Com um ambiente de instabilidade financeira, serão maiores as probabilidades de uma onda protecionista varrer o planeta. Mas o Brasil, diz El-Erian, embora não possa escapar do contágio de uma eventual piora da economia mundial, pelo menos está numa posição razoavelmente boa para enfrentá-la: “As dinâmicas do crescimento são sólidas, a dívida é relativamente baixa e as reservas são robustas”.
Filho de um diplomata egípcio, El-Erian passou a infância no Cairo até se mudar para Nova York. Ele trabalhou quinze anos no Fundo Monetário Internacional antes de entrar na Pimco. Saiu para gerir os fundos da Universidade Harvard, cargo de altíssimo prestígio em que se misturam a nata das finanças e a elite da intelectualidade americana, mas voltou para a Pimco menos de dois anos depois. Em sua biografia, El-Erian combina elementos que, aparentemente, podem parecer constraditórios. De família muçulmana, ele foi criado em uma cultura secular, que o fez defensor ardoroso da democracia e da separação total entre religião e estado. Em aparente contradição, El-Erian é um tubarão do mercado financeiro, mas vota em Barack Obama. “Ele é a melhor pessoa para tirar o país dessa situação difícil em que se encontra. Também espero que as eleições em novembro resultem em um Congresso menos polarizado.” El-Erian respondeu por e-mail às seguintes perguntas formuladas por VEJA:
0 senhor tem falado em “desaceleração econômica global sincronizada”. 0 que isso quer dizer? É o que estamos vivendo: uma desaceleração simultânea do crescimento em todas as principais regiões do mundo. A Europa está entrando em recessão, os Estados Unidos estão crescendo a 2%, na melhor das hipóteses, e as principais economias emergentes, incluindo o Brasil e a China, também estão crescendo menos. O problema com esse fenômeno é que, na falta de políticas adequadas, a soma de 1 mais 1 mais 1 pode ser mais que 3. Em outras palavras, o mundo corre o risco de entrar num círculo vicioso, dificultando a retomada do crescimento em qualquer economia importante. Espero que essa tendência seja revertida, mas temo que não será. E, se não for, o cenário global vai complicar. O crescimento será muito baixo e o desemprego, muito alto, em especial entre os jovens. Os países muito endividados, principalmente os da Europa, ficarão mais vulneráveis às crises financeiras, e aumentará o risco do protecionismo e de instabilidade financeira global.
O senhor tem dito que a crise na Europa vai piorar. Por quê? Ainda existe esse risco, apesar do forte ativismo do Banco Central Europeu. A Europa enfrenta cinco problemas interligados: crescimento muito baixo, dívida muito alta, polarização política, políticas públicas deficientes e crescente mal-estar social. Em razão disso, uma crise que começou na periferia da zona do euro, a Grécia, está migrando para o centro, contaminando mais e mais países. Quanto mais essa tendência persistir, mais difícil será a solução. A Europa pode cair numa década perdida pior do que a de 80 na América Latina.
Qual a saída? A partir das impressionantes reações do Banco Central Europeu, a zona do euro precisa complementar a união monetária com união fiscal e bancária, e maior integração política. Talvez a Europa tenha de optar por uma união menor. Mas é difícil. Nenhum líder europeu quer voltar na história e ser responsável pela retirada de uin país da zona do euro.
O que falta para os Estados Unidos? Para voltarem às altas taxas de crescimento e de geração de empregos, os Estados Unidos têm de avançar em pelo menos quatro áreas. Precisam fazer uma reforma fiscal, combinando redução do déficit a médio prazo com reformas nos gastos e nos impostos. Precisam reformar o mercado imobiliário e o financiamento habitacional. Construir novos canais para o escoamento do crédito, pois os convencionais não funcionam. E melhorar a infraestrutura.
Falta consenso ou dinheiro para isso? Consenso. O problema americano é de política, não de engenharia. O Congresso está extremamente polarizado. As rixas estão na ordem do dia. Nos últimos três anos, o Congresso não aprovou o orçamento federal e também não consegue cumprir com um dos mais elementares componentes da governança econômica.
Há pouco tempo, o Brasil era uma estrelada economia mundial. Subitamente, tudo mudou. A imprensa internacional até alerta investidores sobre os riscos de investir no Brasil. 0 que houve? Não concordo que a percepção sobre o Brasil tenha mudado dramaticamente. O Brasil segue trilhando um caminho promissor, apesar do baixo crescimento. Também estou otimista com a reação das autoridades econômicas brasileiras até aqui. Nenhum país tem como evitar os efeitos negativos da crise. A Europa e os Estados Unidos são as maiores regiões econômicas, os maiores importadores e os maiores fornecedores. Têm as instituições financeiras mais conectadas do mundo. Assim, qualquer desequilíbrio econômico e financeiro prolongado terá impacto em outros países.
O Brasil resistirá? O Brasil está em boa posição para navegar na tempestade. As dinâmicas do crescimento são sólidas, a dívida é relativamente baixa e as reservas são robustas. O fundamental é monitorar de perto a evolução interna e a externa.
Fonte -Fonte: Veja